sábado, 28 de outubro de 2017

Leitura, bibliotecas e dicas para autodidatas

Assunto sempre presente na mídia nacional é o desinteresse dos jovens em ler livros, não obstante fiquem grudados o tempo todo nos seus celulares, recebendo e enviando mensagens curtas a seus amigos nas redes sociais.

Outro tópico, este mais amargo, está na menção de que nossos jovens e adultos — mesmo alfabetizados e tendo frequentado escola por vários anos — continuam com dificuldade para compreender textos ligeiramente mais complexos. Fenômeno rotulado, diplomaticamente, como “analfabetismo funcional”. Pelo menos não utilizam palavras mais grosseiras como “burros”, ou outros elogios equinos, porque se há também “burros” entre nós, isso não é fatalidade apenas brasileira.

Pelo contrário. Somos até bem espertos, “pegamos a coisa no ar”, vivaldinos, capazes de “dar nó em pingo d’água” quando o assunto envolve cifrões, como descoberto na Lava Jato. Não fosse a delação premiada, jamais saberíamos o que ocorria nas altas — ou baixas? — esferas, tal a escorregadia habilidade na utilização das transferências bancárias.

O que digo, salvando a reputação de nossa inteligência, não é patriotada. Inteligência natural nós temos, como em todos os países. O que nos falta é o estímulo à responsabilidade, à persistência, à verdade, mesmo quando desagradável. Gostamos demais da novidade que “viralizou” e “empoderou” os “memes”, “hashtagueando” com grande pompa.

Poucos sabem que o caráter é uma espécie de músculo da inteligência. Triplica os resultados da própria inteligência. Um texto lido ou escrito três vezes, com cuidado, tem, provavelmente, melhor qualidade, ou “inteligência”, que lido ou escrito uma única vez. Mas é preciso “caráter”, persistência para tanto zelo, hábito que não prestigiamos. Leonardo Da Vinci levou cinco anos pintando a Mona Lisa, um pouco cada dia. Já Picasso, esse astuto psicólogo — melhor psicólogo que pintor —, gabava-se de poder, em poucos dias, encher uma grande pinacoteca.

Segundo Ney Prado, em artigo do Estadão de 24-10-17, pag. 2, o notável economista Roberto Campos, para retratando o caráter nacional, se deu ao trabalho de contar quantas vezes a palavra “produtividade” aparece na Constituição de 1988: uma única vez. “Garantias” aparece 44 vezes; “direito”, 76 e “deveres” apenas 4 vezes. Cumprir o dever, para nós, é uma chatice, pois não? A honestidade mental é muito menos valorizada que a honestidade financeira de “pagar contas em dia”. Deveria ser maior, ou, pelo menos igual.

Industriais, homens práticos, informam que a dificuldade para ler e entender os manuais de instrução prejudica a economia porque retarda a montagem e o funcionamento de aparelhos mais complicados. O mesmo ocorre nas profissões liberais. A falta de leitura inteligente também repercute na capacidade de redação, porque para escrever bem é preciso ler bem.

A Ordem dos Advogados do Brasil dá como fundamento da exigência do Exame de Ordem não só a precariedade da formação jurídica como também a péssima redação de muitos bacharéis recém-formados. Se autorizados a advogar, sem tais exames — diz a OAB — eles prejudicariam seus futuros clientes. Petições mal redigidas, confusas — inclusive na descrição da matéria de fato —, dificultam a tarefa dos juízes na compreensão exata do conflito. O Código de Processo Civil não prevê a possibilidade de o juiz, mesmo em questões complexas, ficar consultando os advogados da causa, pedindo-lhes que expliquem melhor, nos autos, o que exatamente requereram e quais os fundamentos. Mesmo porque se perguntar, a resposta dada possibilitará à parte contrária falar de novo, ensejando novas contraditas.

Para corrigir deficiências culturais, políticos e educadores apelam para uma melhor remuneração do professor e respeito por sua autoridade nas salas de aula. Outros sugerem a construção de novas bibliotecas, construídas pelo governo, porque pessoas de poucos recursos disporiam de milhares de livros para ler sem desembolsar qualquer quantia.

O que disse até aqui tem minha concordância. Discordo, porém, de qualquer prioridade direcionada a construção de bibliotecas, pelo menos na atual conjuntura econômica. Prédios amplos e confortáveis são caríssimos e pouco frequentados. Quando frequentados, tornam-se mais locais de “bate-papo revolucionário” ou paquera da moçada mais intelectualizada. Assim era, pelo menos, no meu tempo de adolescente, quando frequentava a Biblioteca Municipal Mário de Andrade, no centro de São Paulo. Alguns que lá conheci se tornaram, décadas depois, intelectuais conhecidos. Hoje, presumo, há outros locais mais atraentes e confortáveis, com café, etc., para tais reuniões, longes de bibliotecas.

Melhor fariam os governos interessados no aumento da cultura — ou na diminuição do “analfabetismo funcional”—, se utilizassem seus magros orçamentos incentivando o autodidatismo. Permitindo que pessoas, de qualquer idade, comprassem livros vendidos em “sebos”, e ainda com descontos. Livros interessantes e úteis, que não se limitassem a ensinar planejamento e execução de roubo de bancos e carros fortes. Livros transformados em filmes tendo Robert De Niro como ator principal. Mas, se tais livros, mesmo “mauzinhos”, adquiridos em “sebos”, forem lidos, pelo menos ensinarão o leitor a escrever e falar melhor.

O autodidata tem uma vantagem sobre o indivíduo que condiciona seu crescimento cultural à frequência a escolas. O autodidata acaba confiando no próprio taco e não para de estudar. À noite, mesmo cansado, não consegue dormir sem antes ler alguma coisa. E quando apaga a luz faz isso contrariado. Isso porque, com o hábito, a leitura torna-se agradável, ou até viciante. É o “vício” virtuoso. O tal “oximoro”, termo pedante de grande sucesso no momento.

Os judeus, apesar de minoria na população mundial, destacam-se nas letras, nas ciências, na imprensa, no cinema e nas finanças porque, tradicionalmente, valorizaram a leitura e a busca da eficiência. Esse viés — mais cultural que biológico —, lhes possibilitou várias premiações Nobel. Quando perseguidos mundo afora, sem um lar próprio, percebiam que somente com o estudo e a cultura poderiam se destacar e sobreviver como raça ou religião. Com esse focado direcionamento da energia destacaram-se; a tal ponto que, provocando inveja, tornaram-se alvo preferencial de políticos interessados em tirar proveito do ressentimento popular contra uma minoria que estava enriquecendo demais para o gosto da maioria, como foi o caso de Hitler.

O Brasil precisa diminuir a onipresença do futebol e estimular a leitura e valores mais cerebrais. Esporte é bom, faz bem à saúde, mas depende muito mais de músculos que de cérebro. E o melhor futuro da humanidade está na mente, não nos músculos e nervos.

Quem lê biografias de homens célebres — condutores de povos, artistas, pensadores, ou mesmo tiranos de grande envergadura — constata que, com ou sem curso superior, eles gostavam de ler. Até Stalin, um grosseirão, sempre estava lendo um livro, nas horas vagas. Biografias de gente ilustre estimulam pessoas de capacidade mediana a serem também ilustres. E as vezes isso se torna realidade. Se não tivessem lidos os exemplos, nem tentariam.

De vez em quando, claro, ocorrem “acidentes” oriundos de leitura desordenada: um autodidata qualquer, meio louco — Hitler, por exemplo — põe fogo no mundo, cismando em destruir outras raças, pensando (torto) em eugenia, mal interpretada: judeus, ciganos, negros, gays e eslavos.  Mas para corrigir tais acidentes desagradáveis do autodidatismo o remédio estará no aprimoramento das normas internacionais — uma grande proposta a ser abraçada também pelo povo brasileiro —, a exigir muito estudo. Lembremo-nos que também pessoas com curso superior podem adotar atitudes de criança birrenta que podem terminar em guerras devastadoras. Pensei agora no loiro da maior potência, que certamente não é dado às leituras, embora tenha curso superior.

Fico revoltado quando vejo, no Brasil, jovens desanimados com a ociosidade forçada pela falta de emprego. Se fossem ensinados a estudar sozinhos —, ou mesmo ler sem a preocupação de “estudar” — poderiam adquirir conhecimentos que poderiam ser até superiores àqueles ministrados em salas de aula. Nestas o aluno não se atreve a interromper o professor, pedindo a ele que explique melhor o que acabou de dizer. Sozinho, com o livro na mão, o autodidata pode reler quantas vezes quiser o trecho confuso, como que mandando o autor repetir o que disse. E o escritor, imobilizado no papel, sempre obedece, sem cara feia.

O caminho do saber não passa necessariamente pelo fundilho das calças, sentado numa sala de aula. Nem, nem pelo sovaco, com um livro embaixo do braço, indo e voltando da escola, dentro do ônibus ou do metrô superlotado. Cada hora passada no trânsito seria melhor aproveitada lendo em casa.

Todavia, para que o esforço de estudar sozinho seja mais atraente e compensador — profissionalmente —, é preciso que o legislador brasileiro tenha a coragem de propor que qualquer cidadão, de qualquer idade, ou grau anterior de escolaridade, possa participar de concursos públicos ou habilitação profissional — concursos rigorosamente policiados e vigiados pelas entidades profissionais — e, sendo aprovado, possa exercer a profissão relacionada com o concurso.

Se o acesso a tais conhecimentos específicos depende apenas de leituras — história, sociologia, economia, direito, literatura, psicologia, matemática, filosofia, ciência política, línguas, etc. — não vejo porque exigir que o interessado em tais campos do saber seja obrigado a percorrer o longo caminho de centenas ou milhares de horas perdidas, sentado em veículos de transporte e carteiras escolares. O autodidata não para de estudar por causa de férias e feriados. Pelo contrário, só os aproveita para crescer interiormente.

Se um cidadão leu e releu, por exemplo, os melhores dez, vinte ou trinta livros de História geral, dando até uma possível “aula” aos componentes da banca examinadora — inquirição que poderia ser acompanhada pela televisão — não é racional, nem honesto, impedir que esse candidato, tão ilustrado, seja proibido de lecionar História em universidades, tal qual o aluno estudioso que aprendeu em sala de aula.

Embora minha opinião possa, em tese, prejudicar a indústria do ensino, é preciso lembrar que a vasta maioria dos jovens da classe média continuará preferindo frequentar uma Faculdade, considerando a necessidade de contato humano, a possibilidade de romance, sexo e diversão. Dizer que nas Faculdades o aluno está em constante contato com seus mestres, em animadas tertúlias educativas — e por isso é necessário frequentar a escola superior —, é demagogia. O professor, em sua vasta maioria, prefere, após seu trabalho, voltar pra casa, ou ir dar sua aula em outra escola.

As “dicas” de leitura, mencionadas no título não são muitas, e é necessário resumir.

No ensino fundamental e médio, em que o autodidatismo será mais difícil, cumpre lembrar o óbvio: a necessidade de verificar se o aluno está bem nutrido, se não tem doenças debilitantes e se enxerga bem — de perto e de longe —, e com ambos os olhos. Se há necessidade de óculos corretivos e não tiver recursos, os receberá gratuitamente.  Parece que isto já está sendo feito em São Paulo. Merece parabéns quem pôs a ideia em execução.

Como sou “dotô” em problemas pessoais de leitura, tenho algumas dicas para as pessoas que gostariam de se instruir, por conta própria, mas não conseguem avançar na leitura de assuntos para elas novos. Querendo ler as páginas linha por linha, na ordem em que foram impressas, não conseguem entender e desanimam. Por isso ficam aqui minhas dicas.

A técnica que uso — que descobri por acaso —, é a seguinte: digamos, por exemplo, a página 2 do Estadão, sempre com dois artigos longos redigidos por grandes jornalistas, sociólogos, economistas, juristas, políticos, cientistas, etc. Tento ler os artigos a partir da primeira linha. Se, porém, eles são desinteressantes ou difíceis de entender — o “economês”, por exemplo —, não fico “atolado” ali. Se é questão de nomenclatura, ponho ao lado um dicionário de Economia. A não compreensão pode ser deficiência minha, ou falta de didática do autor. Mas para não ficar perdendo tempo procuro um ponto final qualquer, no meio de algum parágrafo do artigo e leio, sempre atento, a frase que se segue ao ponto final.

Em seguida, procuro outro ponto final, em qualquer outro parágrafo — de preferência no meio do parágrafo, sempre com mais “miolo” que os inícios do parágrafo — e leio, com atenção, o que está escrito.

Faço isso algumas vezes, colhendo flashes de argumentos — incompletos, claro, mas que vão me dando uma vaga ideia do que pretende o redator. Fazendo isso algumas vezes minha curiosidade pelo texto também aumenta. Então, só depois desse “apanhado”, fragmentado e geral, familiarizado com as palavras e ideias do autor, começo a leitura, a sério, do texto, a partir da primeira linha juntando as “peças soltas”.

Considero essa uma boa técnica. É até mesmo divertida, nada monótona. Uma técnica já adotada pelo cinema, com a exibição dos trailers. É muito mais fácil seguir uma longa narrativa quando você já sabe qual é o assunto, e leu alguns tópicos.

Uma variante, também muito útil, seria a seguinte: leio as primeiras linhas iniciais de cada parágrafo e depois leio tudo do começo ao fim.

Outra técnica, para quem não gosta de “confusão”, pulando de galho” atrás de um ponto final, consiste em —, antes de ler, propriamente, um parágrafo—, apenas “espiar”, sem ler, o parágrafo inteiro, ou parte dele e só então ler as linhas, na ordem com que foram escritas.

Essa união de técnicas visuais, pode ser de grande ajuda para pessoas, normalmente inteligentes, que têm alguma dificuldade para leitura de assuntos mais difíceis. E acrescento que cada leitor, com problemas nessa área, deve utilizar o método, ou técnica, que lhe parecer melhor e mais confortável, mental e visualmente.

A técnica de ler é assunto sério, caro leitor desconfiado. Goethe, que foi um gênio da literatura, chegou a dizer que, mesmo com mais de oitenta anos, ainda não conseguira descobrir a forma mais perfeita de ler. Rui Barbosa também, na Oração aos Moços, frisou, “en passant”, que sabia como estudar. Posso apostar que livros de Kant, nas estantes de milhares, não foram lidos porque o filósofo não se preocupava em facilitar sua compreensão, e os leitores não usavam métodos, não usuais, de extrair o ouro misturado com a areia da redação comum.

Não vejo com bons olhos a “leitura dinâmica”. Comigo não deu certo. Lembro a opinião de Woody Allen. Diz ele que após um curso de leitura dinâmica, conseguiu ler “Guerra e Paz”, de  Leon Tolstoy, em vinte minutos: “Tem a ver com a Rússia”. Mas já conheci um jurista que disse que, com ele, essa técnica funcionou. Sorte dele.

Encerro por aqui. Que venham as bordoadas.

(28-10-2017)

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